Uma réstia de esperança

Na última entrada, tentei descrever como o carma tinha tratado de me dar um merecido tau-tau e como a culpa me fora remoendo com o passar dos anos, tendo condenado o projecto Endurvakning ao oblívio acerca do qual eu escrevia no curiosamente epónimo último volume das Crónicas em 2010. Nesta, tentarei elaborar o equivalente literário daquele momento que todos conhecemos dos filmes, em que um crescendo de violinos dá conta de uma nova e inesperada esperança face à derrota iminente.

Ora o Oblívio ia bem e recomendava-se, o Endurvakning embezerrava-se na gaveta, sentindo-se abandonado, e a minha consciência pesava-me sempre que eu olhava para os livros que adquirira para a minha pesquisa, quando vislumbrava a pasta do projecto e mesmo quando falava com alguém da Islândia. Até que, certo dia, dei comigo a escrever um mail ao Manuel Morgado, no qual deitei tudo cá para fora e reconheci com, se não todas, então pelo menos boa parte das letras do alfabeto que eu fora aquilo que o meu pai costuma apelidar carinhosamente de “um cavalgadura” (falta de concordância de género e tudo).

Contra todas as minhas expectativas, o Manuel teve então a benevolência, não só de me perdoar, como de me incentivar a recomeçar a trabalhar no Endurvakning. Um incentivo que me fez sentir duplamente culpado uma última vez, antes de esse sentimento desaparecer por fim, e que não se ficou por meras palavras. Nos anos que se seguiram – na minha ressaca do Oblívio e enquanto começava a congeminar o Felizes Viveram Uma Vez – e embora estivesse ocupado com outros afazeres e soubesse que dois autores portugueses publicarem algo no estrangeiro continuaria a ser um desafio, o Manuel refez algumas das páginas que desenhara anos antes:

p05Assim incentivado, não mais resisti e lancei-me novamente de cabeça para o mundo do Endurvakning, com uma fúria reprimida de anos que resultou numa série de (mais) acertos à história e na escrita desta mesma em inglês e português, paralelamente, para posterior tradução em francês. Eu e o Manuel fomos falando a espaços, trocando ideias e impressões enquanto preparávamos uma apresentação do projecto a médio-longo prazo (e alinhavávamos também um outro projecto, do qual com sorte um dia também aqui falarei), e assim continuámos até meados de 2014, ano em que dei por concluída a escrita do argumento. Foi também nesse ano que se deu uma conjunção de factores, maior de entre os quais o interesse da minha editora, que me levou a considerar a publicação do Endurvakning como livro, para que pudesse servir de plataforma comercial para posterior adaptação em BD. Partilhei essa hipótese com o Manuel, que achou bem e que na altura estava demasiado ocupado com uma outra empreitada sua para poder dedicar tempo ao projecto. A sugestão da minha editora começava, assim, a perfilar-se como avisada, um passo lógico e talvez de peso para conseguir levar a bom porto o objectivo a longo prazo de publicar o Endurvakning em formato BD no estrangeiro.

Mal imaginava eu o que ainda me esperava…