Da Cabeça Para o Papel – Pt. II

Parte I

Uma vez delineado e mapeado o enredo, é chegada aquela altura que tanto receio no início de cada livro. O acto de começar a escrever faz-me sempre alguma espécie, pelo simples facto de as ideias se tornarem então reais, e eu deixar o âmbito livre e despreocupado da ideação e passar para a responsabilidade de ter algo escrito, e de o fazer como deve ser. É tudo muito bonito quando está só na minha cabeça, mas no papel (ou ecrã) tem de ser detalhado, convincente, bem descrito, e todos aqueles espaços em branco entre pares de boas ideias têm de ser preenchidos com as coisas pouco emocionantes que ninguém inclui quando está a “vender” a sua ideia brilhante a alguém.

Para essa empreitada, conto sempre com o meu companheiro de longa data, o LibreOffice Writer, que só posso recomendar sem quaisquer reservas. Para poupar os meus olhos, tenho a aplicação configurada com fundo preto e letras cinzento-claras, de forma a evitar um grande contraste, e acho criminoso que os processadores de texto não venham com esse esquema pré-definido. Já há muito que estaria a usar óculos, se tivesse continuado a usar o fundo branco notoriamente oculocida com que todos parecem vir pré-configurados. Como escrevo sobretudo de noite (sou tradutor durante o dia), também não dispenso outro companheiro de longa data, o f.lux, que devia fazer parte integrante de todas as distribuições de sistemas operativos.

Por vezes, o mais difícil é arrancar com a primeira frase, e depois sai tudo aos jorros. Outras vezes, encalho a meio de um parágrafo, e fico às voltas com ele durante minutos ou mesmo horas a fio. Outras, tenho sessões de escrita revigorantes e produtivas, e é uma luta para conseguir encerrá-las com uma frase satisfatória. E nunca deixo frases a meio. Só fecho o documento quando o cursor está a piscar ao lado de um ponto final – por mania ou preciosismo, não saberia dizer – nem que para isso fique a penar quando devia dar o trabalho por concluído e ir deitar-me.

Quando sei que vou ter capítulos ou cenas para os quais precisarei de apoio visual, preparo sempre um espaço de trabalho separado, em que deixo abertas as imagens de referência que me possam ser úteis. Isso serve também como uma espécie de “barra de progresso” da minha sessão de escrita, à medida que vou fechando as imagens de que já não preciso, e ajuda-me a entrar mentalmente em cena sempre que há algum elemento que tenho maior dificuldade em visualizar.

Por falar em progresso, normalmente, quando escrevo, não me atenho a grandes horários ou objectivos. A minha única regra é escrever algo e progredir (quase) todos os dias. A chave do sucesso para completar um livro é a consistência e a disciplina – a imaginação e inspiração são só a faísca que despoleta o processo e nos ajuda a ultrapassar certos entraves. O que é mesmo preciso é escrever algo, seja uma página, uma frase, ou mesmo só mudar uma palavra.  Se for mais que isso, tanto melhor. A única diferença são os dias em que estou mais apertado de tempo ou me atrasei, e nessas alturas uso a técnica Pomodoro, que costumo empregar quando estou a traduzir. Não funciona assim tão bem na escrita, porque há muito tempo “morto”, paragens para verificar fontes e longos minutos à volta com uma só frase, mas por vezes ajuda a manter o objectivo em foco e a ser mais pragmático para o cumprir. Não gosto, é demasiado maquinal, e acho que vai um pouco contra o espírito da coisa, mas pode ser útil em certas ocasiões, e até pode funcionar bem para outros. Experimentem, que existem inúmeras aplicações que servem como temporizadores Pomodoro para vários sistemas operativos.

E assim se escreve um livro. Como podem ver, tem tanto de método como de pancadas e preferências pessoais. Como sempre mantenho, a velha máxima diz que escrever um livro é 10% de inspiração e 90% de transpiração, mas, sem essa faísca dos 10%, um escritor pode suar o que quiser, que nunca irá escrever coisa alguma. Para terminar, na próxima e última entrada, irei falar de como é o processo de revisão, a última etapa antes de o livro ser encadernado e impresso.

2 thoughts on “Da Cabeça Para o Papel – Pt. II”

  1. Pingback: Progresso | Filipe Faria

  2. Gostava de adicionar que um sistema semelhante ao f.lux já existe nas versões mais recentes dos maiores sistemas operativos (Windows, macOS, Ubuntu).

    Gostava também de saber porquê LibreOffice e não outro processador (como Microsoft Word ou LaTeX)?

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