Visão de túnel

Ao longo de quinze anos a escrever, pesquisar e a pensar nas Crónicas de Allaryia, a nível criativo sempre me mantive muito concentrado no desiderato de concluir aquela saga (ou, melhor dizendo, o primeiro ciclo da dita cuja). Sim, houve um desvio aqui e ali, no qual me dediquei a contos, livros infantis ou mesmo bandas desenhadas, mas não passaram de breves paragens, levando-me menos ou pouco mais de uma semana cada. Não, as Crónicas de Allaryia sempre tiveram a minha total atenção e foram fruto de um longo processo criativo com visão de túnel, que não sofria distracções e não admitia pretendentes ao trono da minha dedicação. Aliás, sempre foi essa uma das embirrações que eu tive com uma série de autores cujas obras seguia atentamente – entre os quais um cujo nome aqui não será referido, mas que eu e amigos meus tratamos por «Jorge Martins» –  autores esses que, a espaços, achavam por bem fazerem breves (ou menos breves) interregnos e dedicarem-se a outros projectos, deixando pendurado quem lia as séries, os tratantes. «Nunca farei semelhante coisa», pensava eu. «Se começo algum projecto, é para o acabar, e não me vou pôr com coisas enquanto não o terminar».

É engraçado como, passada a barreira dos 30 anos, palavras proferidas na nossa juventude começam realmente a voltar para fazerem pouco de nós. Eis-me aqui, a meio de uma nova série, Felizes Viveram Uma Vez, e dou comigo a ficar entusiasmado com uma ideia que já há muito tempo marinava em águas de bacalhau (só para terem ideia, metade dos marcadores de pesquisa que tinha feito no meu navegador já levam a páginas inexistentes). Não vou abrir o jogo para já, mas trata-se de algo no qual investi muito do meu tempo ao longo de uma série de anos, sempre a espaços e nas breves pausas que eu fazia da escrita das Crónicas, e que originalmente se destinava a um outro formato que não o de um romance. Passei os últimos meses a refinar e aptar o material existente, e estou agora convicto de que não só consigo contar esta história num formato que não o original, como é também uma história que eu quero mesmo contar e que despertou de um torpor de vários anos com ganas de ser contada. Posso adiantar que é uma história autónoma que dá para contar num único livro, por isso os leitores de Felizes Viveram Uma Vez podem estar descansados, que eu não me estou a comprometer com uma nova série.

E era isto. A minha clássica visão de túnel fragmentou-se em 2013/2014 e foi esse o motivo da minha falta de produção literária em 2014, razão pela qual não tive novidades a apresentar na Feira do Livro deste ano. É uma sensação estranha, esta a de ter sucumbido à quase alheia tentação de uma ideia há tanto tempo arquivada, mas para quem se habituou a quase duas décadas de monogamia criativa, não deixa de ser revigorante à sua maneira. Mais detalhes numa futura entrada – até lá, tenham um bom início de Verão e aproveitem bem as ainda misericordiosas temperaturas.