Um breve desvio para 2003

As duas sessões nas Feiras do Livro de Lisboa e Porto deixaram marcas, e volta e meia dou comigo a vasculhar a pasta de recordações allaryianas, onde ocasionalmente descubro ou reencontro pérolas do passado. Desta vez, por exemplo, desenterrei lembranças absolutamente deliciosas do Fórum Allaryia, mas que não seria correcto partilhar porque contém fotos dos membros.

Felizmente, também encontrei os resultados do primeiro de dois concursos que organizei no velhinho allaryia.cjb.net, por altura do Marés Negras, cuja premissa era Qual é a tua personagem favorita das Crónicas? Explica porquê e o que mais te agrada nela, através de uma descrição, poema, ensaio, diálogo, seja o que for. Não tem necessariamente que [sic] ser um dos oito companheiros, pode bem ser um vilão, uma personagem secundária ou mesmo alguém que já tenha morrido no decurso da história dos dois volumes até agora publicados.

Já mal me lembrava dos textos, mas, graças ao comentário do Marco Lopes na Feira do Livro do Porto, fui impelido a procurar o material que os leitores enviaram. E o que encontrei comoveu-me sinceramente, ao reler as impressões que os personagens das Crónicas deixaram nas pessoas. Uns mais expressivos, outros mais concisos, todos os textos são sinceros no seu apreço pelos companheiros. Não os posso reproduzir a todos aqui, porque ainda foram uns quantos, e a maior parte é razoavelmente longa, mas segue-se uma selecção cujo único critério foi a brevidade do texto. Não vou dizer qual deles é o do Marco Lopes, mas ele certamente se lembrará, e espero que goste deste olhar ao seu «eu» do passado. Com os meus agradecimentos por me ter levado a revisitar boas memórias.

Começamos com um poema dedicado ao Aewyre:

Cavaleiro de amor, a tua estrada
É o caminho de um sonho impossível…
Será? Mas segues em frente, impassível,
Em busca de uma resposta apagada.

Avanças para uma busca sonhada,
Em busca de um passado inacessível.
Avanças, vontade incompreensível
Aos olhos da coragem destroçada.

Avanças por estradas de pesadelo,
Cavaleiro, amante, jovem e belo,
Em busca da verdade que comanda.

Vai! A coragem guiará os teus passos!
A força orientará os teus braços
Para a vitória da tua demanda!

De seguida, temos uma autêntica ode à Slayra.

Slayra é beleza, amor e coragem. Olhá-la nos olhos é não ver a tão aclamada assassina cruel, mas sim um ser que ama com toda a sua força e que sente a vida sem rodeios e sem ilusões.
Aliada à beleza natural da sua espécie, Slayra tem a qualidade única de possuir uma beleza interior invulgar. Amar, acima de tudo, e sacrificar tudo pela pessoa amada são actos que poucos se atreveriam a concretizar de ânimo leve, mas que Slayra não hesitou em levar avante.
Slayra tem a coragem necessária para enfrentar perigos desconhecidos, a desconfiança daqueles que acompanha e o ódio característico que todos os outros nutrem pela sua espécie.
Olhar no seu interior é ver uma força de vontade poderosa e indestrutível e uma capacidade indescritível de dar tudo por aqueles que necessitam da sua força.
Falar em Slayra é falar em força para lutar e vontade de vencer, em nome da amizade e do amor, de lutar contra inimigos e irmãos para salvar o seu amado, de dissimular os próprios sentimentos para proteger a vida daquele que se ama acima de tudo.
É essa sombra negra caminhante a imagem da força, da beleza e do amor mais profundo, nascido mesmo no mais profundo abismo entre duas criaturas que, por natureza, não sentiriam mais que ódio uma pela outra.
Reflexo de um sentimento mais puro que o dia num mundo, por natureza, mais escuro que a noite, Slayra é força para lutar, vontade de vencer, coragem de amar.
Slayra é a imagem mais perfeita da flor do bem, desabrochando no meio do mal que era a sua própria natureza, durante tempos de adversidade. A flor mais bela, que desabrocha de noite para que ninguém veja a sua beleza…

E, por fim, um não-tão-breve-quanto-isso tu-cá-tu-lá acerca do Worick:

Já sei, já sei, mais um que escolheu um personagem do grupo. Mas será que ninguém leu o regulamento onde dizia que se podia escolher outra personagem sem ser um dos oito magníficos? A razão da minha escolha até é bastante simples: em certos aspectos faz-me lembrar o meu avô, mas só no que à personalidade diz respeito. Além disso, se eu não o escolhesse sujeitava-me a levar uma valente martelada, por isso, e visto que a minha saúde estava em risco, a escolha até nem foi assim tão difícil. Mas chega de conversa fiada, vamos mas é ao assunto em mãos.
Quem não o conhece acha-o rude, não perde uma oportunidade de dizer alguns impropérios, parece (!!?) que anda sempre mal-humorado, e pior fica se não arranja uma pipa de soyg para matar a sede, o que me traz à memória um certo bar e estalajadeiro na aldeia de Llen. Acima de tudo não tem papas na língua, o que será o mesmo que dizer que é muito honesto e frontal. Bem, às vezes demasiado, o que explica as constantes tentativas de troca de «mimos» com os companheiros, estalajadeiros, principalmente estes, e não só, mas Aewyre intervém sempre a tempo de salvar a situação.
A lista poderia continuar indefinidamente, mas ei, estamos a falar de um thuragar, um ser que foi criado a partir do pior que nós os humanos temos dentro de nós, por isso existe uma certa reputação a manter, daí o facto de ele não gostar muito ― se não mesmo de todo ― dessas pieguices que são os sentimentos, quanto mais demonstrá-los, ainda que ultimamente ele tenha andado mais «humano». Não acredito no que acabei de dizer.
Mas o que eu adoro nele, e me traz sempre um sorriso aos lábios, é o seu sentido de humor, e as constantes desavenças com o burrik, o que serve apenas para esconder o facto de que ele até gosta do baixote com olhos de felino, mas não digas a ninguém porque se ele sabe sou bem capaz de levar uma martelada, por isso destrói esta carta depois de a leres, é que nunca se sabe. Apesar de todos os defeitos que acima refiro, ele é também, e acima de tudo, um companheiro leal com uma coragem em combate difícil de igualar, ao ponto de que se assim fosse necessário ele morreria pela sua «cachopa», que é a sua razão de viver, a luz dos seus olhos […].
Mas desenganem-se aqueles que pensam que ele tem a alma de um guerreiro. Sim, ele é um grande lutador, um bom estratega, em resumo gosta de umas boas cachaporradas, como ele próprio diz, mas acima de tudo ele é um artesão, que apenas luta por necessidade e que por acaso também é muito bom nisso. A prova do que digo está no facto de ele venerar Tharobar e não Gilgethan, e de que cada bocadinho de tempo que ele tem quando as coisas estão calmas ― o que não é muito comum, mas acontece ― é passado a dar forma às pedras que traz sempre consigo, e para me dar ainda mais razão foi ele que construiu a armadura, espada, brinquedos e não só para a Lhiannah… bem, o mínimo que poderemos dizer é que ele percebe do assunto. E agora, que mais haverá a dizer? Muito, mas queria ver se guardava alguma coisa para o concurso do próximo ano e/ou volume das Crónicas de Allaryia. Além disso, e parafraseando o nosso thuragar favorito: «Pedras me partam se eu não ganho este concurso». É que não sei se já deu para reparar, mas eu e ele somos conhecidos e…
Bem, despeço-me com um pequeno conselho: se por acaso eu ganhar, e além do desenho decidas convidar o Worick e fazer uma festa numa qualquer taberna, não te esqueças de ter lá algumas pipas de soyg, mas nem te atrevas a pensar em ter lá lombinhos de rato, por mais que tu gostes ou aches chique, é que o efeito de lá não ter uma é quase, se não mesmo, igual ao de lá ter o outro, confia em mim. É que quem vive em Allaryia e conhece thuragar… ups, parece que já falei demais, o melhor é mesmo parar.