A Terra do Sempre

Nos tempos de escola, eu era o rapaz solitário que fazia as coisas a seu ritmo, no bom e no mau sentido. Fui o disseminador de bandas de power metal no meu ano, mas comecei a usar jeans rasgados um semestre depois de os meus colegas o fazerem, por exemplo. E sempre me apegava mais aos últimos grandes berros do que os outros, continuando a gostar das Tartarugas Ninja quando todos já tinham passado para outra, e prosseguindo fielmente com a leitura de banda desenhada de super-heróis quando esta já era tida como «infantil» (embora a Turma da Mônica fosse estranhamente isenta desse bon ton do secundário).

Não é difícil perceber como isso levou ao meu interesse pel’O Senhor dos Anéis e à subsequente escrita das Crónicas. Ou à minha posição de quase ter de defender os géneros de que gostava, até a sétima arte ter a bondade de convencer toda a gente de que, afinal, aquilo não era só para crianças. Mas, mesmo nessa situação, eu continuei a apegar-me mais e durante mais tempo a essas coisas subitamente socialmente mais bem aceites. Fi-lo sem prejuízo do meu desenvolvimento pessoal, mas isso não bastou para me poupar a insinuações de Síndrome de Peter Pan ao longo de boa parte da minha vida adulta.

Só agora, na iminência de ser um homem casado, é que percebo que quem me acusou tinha alguma razão. Não no sentido de gostar de géneros literários menores, ou de me apegar às coisas mais simples da vida por ter medo das mais complexas, ou até de não crescer (embora tenha evitado notários o mais que pude, confesso). Tinham razão, na medida em que sou realmente um Peter Pan, mas o do Hook — o tal que cresceu, mas não tem pejo em trajar a fatiota verde e fazer molinetes com a espadinha que, embora lhe assentasse melhor enquanto novo, continua a servir o seu propósito.

Em suma, para mim, nunca se tratou de regressar a uma hipotética Terra do Nunca por ter medo da vida adulta. Limitei-me apenas a viver numa Terra do Sempre, em que certas coisas, ainda que percam prioridade, não perdem o seu encanto. E tive o privilégio de poder partilhar parte dela convosco, como agora o irei fazer com a minha cara-metade numa vida a dois em que nunca poderá haver o mesmo tempo para a escrita, mas sempre haverá espaço para ela.