Considero-me um contador de histórias, e acho-me bom nisso. Desde criança que tenho jeito e gosto, e foi uma aptidão que fui cultivando com o passar dos anos. Mas sou péssimo a recontar histórias, algo que tanto mais evidente se tornou depois de ter casado com uma recontadora nata, capaz de recordar o mais ínfimo detalhe do enredo de um filme que viu, de um drama familiar que lhe foi relatado ou de uma conversa que teve.
É curioso, porque não me acontece ser péssimo a reter informações apenas em coisas mundanas, como uma ida às finanças, uma conversa com um notário, ou umas instruções transmitidas por um canalizador. Também quando se trata de relatar algo que me sucedeu, organizar uma linha de pensamento para explicar algo que li, ou conservar os detalhes de um evento passado, a minha mente parece um coador, deixando passar tudo menos o essencial e fazendo com que o resto perca cor e textura.
Questiono-me muitas vezes porque será. No âmbito genético, o meu pai é sobejamente conhecido por trocar coisas e misturar histórias ao ponto de estas se tornarem irreconhecíveis ou algo de completamente diferente. No âmbito pessoal, sempre detestei exames nos quais tinha de debitar matéria empinada e sentia dificuldades acrescidas nesses. Era a primeira pessoa à qual os meus colegas pediam para desenhar ou escrever composições, mas a última que alguém alguma vez tentaria copiar durante um exame.
Sempre criei mundos e universos, mas, para listar os nossos, está quieto. Conservo os nomes e as vivências pormenorizadas de centenas de personagens, mas lembrar-me dos de leitores de longa data que há anos que vão à Feira do Livro e narrar detalhadamente uma aventura que alguém me tenha relatado? Mais valia contratar o Barão de Münchhausen como biógrafo.
Parece mesmo que fui feito para contar, e não para recontar. Não é que seja de todo incapaz de o fazer, e acho que até melhorei ao longo dos anos, fruto de palestras, conferências e entrevistas, mas tenho comprovadamente mais dificuldades nisso. É algo que me frustrou durante boa parte da minha vida, mas que aprendi a aceitar como uma limitação com a qual tenho de lidar. Por isso, obrigado pelo vosso interesse em lerem as histórias que tenho para contar e por servirem de contraponto à zombaria da minha cara-metade sempre que ela me pede para lhe recontar algo que alguém me transmitiu.