Embora nunca o tenha feito com um título em latim, já por várias vezes me queixei aqui de falta de tempo. Que traduzir e escrever é complicado, sobretudo quando ainda se quer dedicar algumas horas do dia ao Blender e, já agora, passar tempo de qualidade com a mulher. Lamuriei-me e descrevi-me como pessoa muito ocupada, servindo-me disso como pretexto para não comparecer a jantares com amigos, ou para faltar a este ou aquele evento literário.
Mal sabia eu que estava a ser um menino.
Como alguns de vós saberão, sou tradutor de profissão e, nos últimos anos, tinha-me dedicado sobretudo à tradução técnica, que foi precisamente a área mais afectada desta indústria que, tal como outras, está a repensar os seus paradigmas devido à arteligência inferencial (termo que adoptei após ver tanta gente escrever «AI» em português). Quase de um mês para o outro, o volume de trabalho caiu a pique, e só por golpe de sorte e pelos contactos que fui arranjando ao longo dos anos é que consegui garantir trabalho. Mas está a sair-me do pêlo, porque tenho de bulir mais para compensar o que já não estou a receber da mais rentável tradução técnica.
Nunca trabalhei tanto como agora e nunca tive de ordenhar tanto as horas de cada dia, ao ponto de uma mera ida inesperada aos correios comprometer todo o meu horário. Estou a tomar um suplemento de vitamina D, porque só dou um passeio reestabelecedor ao final do dia e porque não me apetece dá-lo de manhã, porque assim não tenho a satisfação de esticar as pernas retesadas após uma jornada inteira sentado (com pausas pelo meio, claro está). Não leio, não jogo e não toco no Blender há meses, e sempre que tenho de fazer algo que não trabalhar ou escrever no horário para isso designado, tenho de compensar de alguma forma e fazer serão. Felizmente, tenho uma esposa compreensiva e paciente, e passei a dar novo valor aos fins-de-semana, que, após tantos anos a serem dias como quaisquer outros, são agora a única altura de descanso.
Como é óbvio, tenho noção de que ainda assim, estou a queixar-me de barriga cheia. Bastava não escrever, e já tinha mais tempo livre para descansar e outras coisas igualmente importantes. Sei que há quem passe dificuldades e não tenha o luxo de poder dizer que há algo de que pode prescindir para ter mais tempo, ou que pode parar aos fins-de-semana. Mas, sem querer cair para o dramatismo, para mim, parar de escrever e criar é, de certa forma, morrer. Por isso, vai ter mesmo de ser assim nos próximos tempos.
Isto tudo para, uma vez mais, explicar o porquê de andar a fazer menos actualizações ao blogue e estar menos interventivo no Telegram. Como já por várias vezes o fiz ao longo dos anos, convém não me cansar de referir. Mas só agora percebi que estava a ser um menino.
Não sei se é coincidência ou não, mas tenho recebido um número anormal de contactos de leitores que, de passagem, também me falam das dificuldades por que estão eles ou gente próxima a passar. Por isso, muita força para quem possa estar a precisar dela. Ainda que as coisas possam piorar antes de melhorarem, melhores tempos certamente virão, porque o pêndulo vai e vem, sempre.