Há? Há!

Há dias, sem qualquer motivo aparente, lembrei-me de uma piada com quase vinte anos.

Tudo começou com a minha primeira colaboração com o Manuel Morgado, quando ele me enviou as páginas impressas do material que já tinha feito para o Talismã. Nelas, havia um pormenor recorrente sempre que alguém se ria, uma daquelas coisas do corrector ortográfico que escapa facilmente à atenção de qualquer um. Mas esta encheu-me as medidas.

Ou seja, em vez de termos a onomatopeia «ha» de gargalhada, tínhamos a 3.ª pessoa do singular do verbo «haver». O que levantava todo o tipo de possibilidades caricatas para minar momentos sérios ou até de leveza, como ir a uma marisqueira, perguntar ao empregado se há camarão, e o homem desatar a rir a bandeiras despregadas com a pergunta, enfatizando repetidamente que «há, há, há!».

O Manuel certamente me perdoará, mas eu partilhei isto com alguns amigos, e durante demasiado tempo tivemos o hábito de rir de forma pausada e sincopada, enfatizando com veemência cada um dos três «há!». E a expressão do rei de Vergudir, mais do que a indignação de um soberano ao ver a sua sala real invadida, mais parece neste contexto o ar de genuíno enfado de um homem farto de ouvir a mesma piada.