Falta de hombridade

Na anterior entrada, falei um pouco mais dos iscos criativos que me levaram a morder um projecto que levei dez anos a levar a cabo: Endurvakning. Hoje explicarei parte do motivo pelo qual levei tanto tempo a escrever aquela que é a minha obra mais pequena até à data.

Estava tudo bem encaminhado para aquele que seria o meu segundo projecto de banda desenhada em parceria com o Manuel Morgado. Havia vontade de parte a parte, havia entusiasmo para escrever a história e para a desenhar, no que tanto eu como o Manuel sabíamos que seria um projecto a médio-longo prazo e quase de certeza para publicar no estrangeiro. Para me motivar, o Manuel foi desenhando uma série de esboços de personagens:

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Assim, elaborei o início do guião em português, traduzindo-o paralelamente para inglês e francês. Escrevi a história por alto e dividi-a em dois tomos (Deuses e Gigantes e Sangue e Ouro), já a pensar no formato franco-belga, mas, uma vez que se tratava de um projecto a médio-longo prazo e ainda não tínhamos nenhuma editora concreta em mente, não fiz um guião completo. Em vez disso, fui simplesmente apurando e refinando a história por alto, o Manuel desenhou umas páginas de teste e fez-se um acordo tácito de que era algo para, bem, irmos fazendo.

endman3E assim se foi fazendo. Passaram-se dois anos, escrevi e publiquei o Vagas de Fogo entretanto, e o Manuel ia também ele tratando da sua vida. Aconteceu que, em 2007, eu decidi visitar a Islândia pela terceira vez, tanto para matar saudades da minha família islandesa, como para aprofundar um pouco mais uma série de aspectos da história do Endurvakning. Decidi também que iria ser proactivo e aproveitar para fazer uma visita às poucas editoras islandesas que publicavam banda desenhada, para lhes apresentar o projecto e sondar o interesse.

Nisto, eu e o Manuel já não falávamos há algum tempo, como tende a acontecer quando se estabelece que algo é para ir sendo feito. O Endurvakning não estava propriamente esquecido entre nós, mas passara claramente para segundo/terceiro plano, e tudo viria a mudar quando, certa tarde, fui tomar um café com um velho conhecido destas bandas, o Samuel Santos. Ele ficou bastante entusiasmado quando lhe falei da história e eu, não menos entusiasmado com a possibilidade de trabalhar com ele e de dar novo alento ao projecto, nem sequer mencionei que já tinha desenhador. Ou então disse que o desenhador já abandonara o projecto, ou algo igualmente impensado e desonesto. Ponto assente, e para não dizer uma asneira, foi uma tremenda filha-da-putice da minha parte, tanto para com o Manuel, como para o Samuel, que, sem saber que era o equivalente artístico da “outra”, fez estudos de personagens e preparou uma apresentação para eu levar para a Islândia.

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É claro que o Manuel veio a saber do sucedido; não por iniciativa minha, tanto mais me envergonha reconhecê-lo, mas porque, umas semanas antes da minha viagem, ele me ligou para dizer que ia a um festival em França, e se eu não queria dar uma ensaboadela à amostra do guião para ele apresentar. Reagiu às minhas novidades como seria de esperar e teve autocontrolo o suficiente para não me dizer o que eu merecia ouvir ou para me mandar para um certo sítio. A partir de então, e embora eu ainda fosse um já-não-tão-jovem idiota, uma sombra começou a pairar sobre o projecto, mas convenci-me de que nada mais havia a fazer e preparei-me para a minha incursão às editoras islandesas. Lembram-se de eu ter dito que o enredo do Endurvakning quase se reflectiu a nível metaficcional nas partes envolvidas? Logo chegarei a essa parte, mas, no final do Verão de 2007, o carma encarregar-se-ia de me mostrar que cá se fazem, cá se pagam…