Carma

Ora, na entrada anterior, dissertava eu acerca do mau ser humano que tinha sido com os dois artistas que tinham aceitado encetar comigo o desafio de publicar no estrangeiro uma novela gráfica. Assim foi, e assim parti para a Islândia pela terceira vez, munido de doze páginas de banda desenhada, cinco das quais ainda redolentes com o cheiro a impressora forçada a vomitar uma paleta de cores em alta resolução às cinco da manhã. Estava animado, pois não só iria rever a minha família islandesa, assistir à feliz coincidência do casamento de um amigo e explorar um pouco mais do país, como tencionava interrogar mais uns quantos indivíduos e apresentar a proposta a três editoras.

Assim fiz e, um feliz reencontro viking e um casamento mais tarde, fui ao ataque e tive uma reunião com as tais três editoras. A primeira disse-me que já se tinham deixado de banda desenhada, a segunda aceitou apenas o manuscrito, sem direito a reunião, ficando de me dizer algo mais tarde e a terceira disse o mesmo após uma reunião com uma simpática editora. Convencido de que tão cedo não obteria resposta, marquei novo encontro com Jörmundur Ingi, a tal sumidade e antigo sumo sacerdote pagão, para uma dose de estimulação intelectual e para esclarecer algumas dúvidas. Aqui, um excerto de uma das nossas muitas conversas, referente a um dos temas mais importantes da história que eu na altura ainda estava a escrever. Desculpem o ruído de fundo, mas tivemos a conversa na cafetaria da Biblioteca Nacional e Universitária da Islândia, o nosso ponto de encontro mais frequente:


Devidamente estimulado, conversado e em vésperas de regressar a Portugal, dei a missão por cumprida e comecei a aplicar ao enredo todas as novas informações. O itinerário do personagem principal mudara por completo, bem como o plano do antagonista, e eu ficava cada vez mais entusiasmado com a história. Esse meu entusiasmo esmoreceu um pouco quando, dois dias antes da minha partida, achei por bem ligar à tal editora com a qual nem tivera reunião, e falar com o editor, que então me comunicou que tinha ficado de olhos arregalados com a violência de alguns painéis, e que não era bem o tipo de obra que se imaginasse a publicar. Bof.

No entanto, tive uma agradável surpresa quando, na véspera da minha partida, recebi um telefonema de Jörmundur Ingi a dar-me os parabéns pela minha recente fama, por ter sido mencionado num artigo de jornal. A minha família islandesa tratou de o adquirir prontamente, um artigo que falava da publicação da série Thorgal na Islândia pela tal terceira editora que também ficara de me dizer algo. “Seriam os deuses astronautas?”, intitulava-se o artigo, no qual a simpática senhora que referi fala de mim como “um autor português que me trouxe um manuscrito sobre as sagas dos deuses nórdicos, o que só prova que a mitologia nórdica está bem e de saúde”.

mblaNão sendo propriamente um salto para a ribalta, nem tão-pouco um indicador de interesse, pareceu-me apesar de tudo um sinal auspicioso, e voltei animado a Portugal naquele belo Setembro de 2007. Vinha cheio de ideias e convencido de que a novela gráfica ia no bom caminho e decidi trabalhar nela com afinco antes de começar a escrever O Fado da Sombra, ansiando por aquele que já imaginava como o próximo bom pretexto para visitar a Islândia, dessa feita como autor publicado naquele país, a partir do qual conquistaria a Escandinávia, passando naturalmente para a Alemanha e, depois disso, o mundo.

Recebi o email da editora umas semanas mais tarde. Não iriam publicar o livro. O carma apanhara-me, por fim.