A arte de não perder inteiramente o jeito

Conforme o referi na primeira entrada da categoria Blendagens, eu nem me saía mal a desenhar quando era mais novo, antes de me ter dedicado à escrita por não ter o talento artístico para ilustrar tudo o que me ia na cabeça. E, agora que me tenho dedicado a aprender o Blender, tenho-me apercebido de que há coisas que comigo ficaram desse tempo, como o facto de a minha mão tender a «cair» invariavelmente para a anatomia de super-heróis quando estou a fazer personagens. Não deixa de ser curiosa, a forma como os tiques e hábitos de infância e da adolescência podem hibernar e enferrujar em desuso, mas não se perdem por completo.

Ao dar-me conta disso, fui fazer umas escavações arqueológicas nos meus arquivos digitalizados e desenterrei o esboço de uma banda desenhada de super-heróis que eu e um amigo meu idealizámos durante o verão de 1994. Nós os dois partilhávamos um gosto por DC e Marvel, que consumíamos avidamente, e naquelas férias de Agosto lembrámo-nos de criar a nossa própria editora (a Force), inventar os subtis pseudónimos de Filipe Kirby e Gonçalo Lee (que acabámos por não usar) e fazer de conta que já tínhamos todo um universo de super-heróis que podíamos exibir numa maxi-série.

Assim, ao repetido som do S.M.A.S.H. dos Offspring, dois adolescentes passaram um quente verão encafuados no refeitório de um solar, entretidíssimos e a darem azo à criatividade. Sabíamos bem que nunca iríamos acabar tão ambicioso projecto, mas desfrutámos imenso dele enquanto durou. Foi nele que uma possível carreira artística atingiu o seu auge antes de definhar e dar lugar à escrita, só para tornar a dar de si, vinte anos mais tarde.