Pois é. Tornou a acontecer o mesmo que sucedeu há cinco anos. Em vez de me dedicar em exclusivo à escrita do último volume das Crónicas e de ter aproveitado o tempo que passei na Herzegovina para adiantar o volume, perdi-me novamente em devaneios super-heróicos só por ter ido ver o novo filme do Super-Homem no mês passado. À conta disso, retomei a escrita da tal epopeia do Super-Homem e da Legião dos Super-Heróis que refiro na entrada acima, um projecto com poucas hipóteses de um dia ver a luz do dito, mas que, sempre que nele pego, me dá um prazer tremendo.
A musa é volúvel, temperamental e condicional. Posso tentar ignorá-la, mas sei que, se o fizer, nunca recuperarei a chama criativa a que ela dá azo nesses momentos. E que estarei a prescindir da hipótese de adiantar a barra de progresso figurativa desta ou daquela «comichão» e de aumentar a probabilidade de ela não tornar a comichar no futuro. Por isso, vai de desempoeirar os documentos e dar ao dedo enquanto o ferro está quente, por assim dizer.
Dito isto, tenho-me portado melhor desta vez. Não deixei inteiramente de escrever A Última Crónica, simplesmente abrandei o ritmo e já o recuperei entretanto. A pica super-heróica já está a passar, e o Super-Homem e a Legião não tardarão a regressar ao fresquinho da Fortaleza da Solidão, onde ficarão a aguardar o próximo capricho da musa – que, com alguma sorte, não o terá enquanto eu estiver a escrever outra coisa.
Acerca do filme, gostei. O Homem de Aço foi infinitamente mais polémico, mas confesso que me fez sentir as cenas mais intensamente enquanto assistia. Este Superman foi bastante mais «seguro», na medida em que corresponde globalmente às expectativas do público e é muito mais fiel ao ideário tradicional da personagem e do seu universo. Pedia-se um regresso ao básico depois da partida em falso do anterior universo cinemático da DC, e, perante a escolha entre tentar outra nova abordagem ou optar pelas provas dadas da do universo cinemático da Marvel, os responsáveis optaram por esta última.
Talvez pareça estar a escrever com algumas reservas (e tenho algumas, desde o regresso das malfadadas cuecas ao excesso de figurantes), mas gostei do filme. Tem um início in medias res que nos poupa à já sobejamente conhecida origem, desafia o Super-Homem e fá-lo passar uns maus bocados sem o fazer passar por fraco, permite-lhe usar os punhos e a cabeça, e fá-lo com (ocasionalmente deslocado) humor que o torna mais acessível. Uma personagem como o Super-Homem pede o tipo de filme em que se atira tudo e mais alguma coisa à parede, pede que se use de forma descomplexada conceitos mais esdrúxulos. Se alguém leva o cão ao parque para lhe atirar paus, o Super-Homem leva o seu supercão ao espaço para brincar com asteróides. Se alguém tem o seu cantinho na cave, ele tem uma fortaleza com mordomos robôs na Antárctida. E assim por diante. Porque celebrar o fantástico e mirabolante não tem de inviabilizar a exploração da dimensão humana e interpessoal.
O filme parece estar a ser bem recebido, mas não vai quebrar grandes recordes de bilheteira. Em parte devido à fadiga de filmes de super-heróis que já se faz sentir, em parte porque tudo o que seja da DC e não tenha um morcego estampado ou esteja a ele associado não granjear de muita boa vontade da parte do público neste momento, mas também porque – parafraseando-me a mim mesmo – o Super-Homem tornou-se um pouco naquele café na esquina. O tal que muitas pessoas nunca frequentam ou ao qual só foram um par de vezes, uma delas para trocar uma nota de dez para terem moedas para o parquímetro: um estabelecimento com décadas de história, mas cuja atmosfera não puxa por muita gente, embora todos se tenham habituado à presença dele. E, no dia em que esse café fecha portas ou muda de gerência, ficam cheios de pena e lamentam o sucedido. Ou seja, é uma personagem que diz algo a toda a gente e tudo a alguma gente, mais ícone do que personagem propriamente dita.
Este filme foi uma boa correcção de rumo, e talvez tenha sido um bom primeiro passo, mas, à parte a miudagem que ficou encantada com o supercão, não creio que tenha sido aquilo que irá capturar toda uma nova geração de leitores e fãs. Foi uma boa forma de lembrar às pessoas porque é que se gostou muito do Super-Homem no passado, mas não sei se fez o suficiente para as convencer a gostarem dele agora ou no futuro. Quem sabe, talvez um dia terei eu ocasião de tentar a minha sorte através da escrita…