Da Cabeça Para o Papel – Pt. I

Antes de mais, queria agradecer a todos os que marcaram presença nesta última sessão da Feira do Livro. Obrigado aos resistentes da “velha guarda” que só lá vão para trocar dois sempre agradáveis dedos de conversa; aos leitores de longa data que ainda não têm todos os livros assinados; aos leitores de média data que querem saber mais acerca de outros projectos antes de decidirem se vão ou não experimentar; aos leitores de curta data que me deram uma oportunidade e não se arrependeram; e aos novos leitores que ficaram curiosos com o que viram. É sempre um prazer.

Já não pela primeira vez – e certamente também não pela última – perguntaram-me como é o processo da escrita, quais as ferramentas que uso, e como passar das ideias para o papel. Ora, como os leitores mais antigos poderão estar lembrados, eu inicialmente hesitava em sequer chamar a isto um blogue, por achar que blogues era aquilo que escreviam as pessoas que tinham a pretensão de achar que outros tinham interesse em ler o que elas pensam. Hoje, sou menos taxativo e estou empenhado em fazer deste meu pequeno canto algo mais do que um simples boletim das minhas actividades. Assim, nesta e nas duas subsequentes entradas, irei falar por alto do meu processo – que, nunca é demais sublinhar, é meu e não funciona necessariamente para toda a gente – e das ferramentas que uso.

Até certo ponto envergonha-me reconhecer que me tornei num escritor completamente digital – eu, que fazia ponto de honra de usar blocos de notas para apontamentos, por exemplo – mas, actualmente, só uso mesmo papel quando tiro notas para passar o tempo em viagens ou repartições de finanças. De resto, quando me ocorre uma ideia ou tenho uma epifania na rua ou na cama, saco do telemóvel e gravo-me a descrevê-la. De resto, o meu pau para toda a obra ideal é mesmo um programa que já uso há uns bons nove anos, o BasKet Note Pads [Nota: só disponível para Linux].

Após um primeiro impulso em que pondero se quero ou não seguir em frente com uma ideia, e algumas sessões a navegar a internet em busca de referências, é sempre no BasKet que os meus projectos começam a ganhar forma. Na fase embrionária, limito-me a apontar as ideias soltas, a fazer “fichas de personagens” com os trejeitos de personalidade, objectivos e características marcantes, e a definir como começa, progride e acaba a história em frases curtas e muito pouco detalhadas. A partir daí, a planificação vai-se tornando mais minuciosa, começando pelo esqueleto do livro na forma de um resumo capítulo a capítulo, com inúmeras notas pendentes que incluem detalhes de algo que aconteceu ou ainda deverá acontecer (ou, no caso d’A Oitava Era, indicações de onde posso encontrar locais previamente descritos), e uma coluna só para ideias soltas que podem ou não ser aproveitadas naquele projecto em questão.

Nunca começo a escrever um livro antes de ter tudo delineado. Ou, melhor dizendo, quase tudo. Como já referi em algumas entrevistas, deixo sempre algumas lacunas nessa minha planificação, para impedir que o processo de escrita seja demasiado linear e obrigar-me a ser criativo. Mas, ainda assim, não começo antes de ter, digamos, 90% estruturado e mapeado, empurrando com a barriga algumas questões de enredo para mais tarde resolver. Claro que, tal como planos de batalha e o contacto com o inimigo, não há planificação que sobreviva à escrita de um livro, e muita coisa acaba por mudar, ter a ordem alterada, ser reaproveitada, e, muito raramente, simplesmente descartada.

No caso de uma série, faço tudo o que previamente referi, e ainda antecipo os cestos de notas dos volumes subsequentes, que por vezes passam anos e anos apenas com um punhado de frases neles escritas. Regra geral, dizem só o que tem de acontecer neles, os eventos mais marcantes, e quaisquer ideias que me ocorram entretanto.

E assim se planeia um livro. Mesmo antes de me ter convertido ao digital, já era meticuloso, como o atestam as páginas e páginas de apontamentos que tomei nos blocos de notas que guardo religiosamente e os mapas narrativos que fiz à mão (alguns dos quais podem ver no livrete da edição de luxo do Oblívio), mas actualmente estou bastante mais organizado. Espero que possam extrair algo disto, ou que pelo menos tenha satisfeito o interesse dos mais curiosos. Numa próxima entrada, irei então falar do processo da escrita propriamente dito.

2 thoughts on “Da Cabeça Para o Papel – Pt. I”

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